terça-feira, 23 de agosto de 2011

Trinca ou fissura?


Como se originam, quais os tipos, as causas e as técnicas mais recomendadas de recuperação de fissuras


Por Rodnei Corsini




Fotos: Renato Sahade
Fissuração por corrosão das armaduras provocando a queda do revestimento
As fissuras são um tipo comum de patologia nas edificações e podem interferir na estética, na durabilidade e nas características estruturais da obra. Tanto em alvenarias quanto nas estruturas de concreto, a fissura é originada por conta da atuação de tensões nos materiais. Quando a solicitação é maior do que a capacidade de resistência do material, a fissura tem a tendência de aliviar suas tensões. Quanto maior for a restrição imposta ao movimento dos materiais, e quanto mais frágil ele for, maiores serão a magnitude e a intensidade da fissuração. A formação das fissuras, como explica o engenheiro Renato Sahade, diretor técnico da ATS Engenharia e Consultoria, está ligada a situações externas ou internas. Entre as ações externas aos componentes, estão as fissuras causadas por movimentações térmicas, higroscópicas, sobrecargas, deformações de elementos de concreto armado e recalques diferenciais. Entre as ações internas, as causas das fissuras estão ligadas à retração dos produtos à base de cimento e às alterações químicas dos materiais de construção.

A fissura pode ter origem em fases diferentes da edificação, como enumera o engenheiro Paulo Grandiski, do Ibape-SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo): "Em uma visão geral, simplificada, as origens das fissuras de uma edificação podem surgir na fase de projetos - arquitetônico, estrutural, de fundação, de instalações -, de execução da alvenaria, dos vários sistemas de acabamento e, inclusive, na fase de utilização, por mau uso da unidade".



Tecnicamente, e de forma geral, o termo fissura é preferível ao termo trinca. Algumas normas e alguns peritos podem classificar as fissuras com diferentes nomes, conforme a sua espessura. Segundo a norma de impermeabilização (NBR 9575:2003), as microfissuras têm abertura inferior a 0,05 mm. As aberturas com até 0,5 mm são chamadas de fissuras e, por fim, as maiores de 0,5 mm e menores de 1,0 mm são chamadas de trincas. "Essa nomenclatura pode ser aplicada às trincas passivas, que não variam ao longo do tempo, em função da variação da temperatura tópica. Já para as trincas ativas, que variam conforme a respectiva variação higrotérmica, essa nomenclatura é inaplicável, pois a classificação mudaria conforme o instante da medição", argumenta Grandiski. A variação higrotérmica é a ação simultânea de dilatação e retração provocada pela absorção de água e pela variação de temperatura na edificação.

O engenheiro do Ibape lembra, ainda, que existem as fissuras com origem exógenas às obras. "Não bastassem as fissuras e trincas endógenas à obra, nela podem surgir fissuras com origem na natureza - como sismos, ventos, enchentes etc. - e com origem em obras vizinhas - como rebaixamento do lençol freático, trepidações causadas pelo cravamento de estacas, escavações lindeiras etc."

Tipos
As fissuras nas alvenarias são divididas de acordo com sua forma de manifestação, seu desenho, que pode ser geo­métrico ou mapeado. Essas duas classes são subdivididas, cada uma, entre fissuras ativas e passivas. As ativas ainda admitem uma nova subdivisão, em que podem ser sazonais ou progressivas. As geométricas (ou isoladas) podem ocorrer tanto nos elementos da alvenaria - blocos e tijolos - quanto em suas juntas de assentamento. As mapeadas (também chamadas de disseminadas) podem ser formadas por retração das argamassas, por excesso de finos no traço ou por excesso de desempenamento. No geral, elas têm forma de "mapa" e, com frequência, são aberturas superficiais.


Fotos: Renato Sahade
Fissuração mapeada causada por retração de secagem da argamassa
As fissuras ativas (ou vivas) são aquelas que têm variações sensíveis de abertura e fechamento. "Se essas variações oscilam em torno de um valor médio - oscilantes - e podem ser correlacionadas com a variação de temperatura e umidade - sazonais -, então as fissuras, embora ativas, não indicam ocorrência de problemas estruturais", afirma Renato Sahade. Mas se elas apresentarem abertura sempre crescente, podem representar problemas estruturais, que devem ser corrigidos antes do tratamento das fissuras - que neste caso são chamadas de progressivas. As causas desses problemas devem ser determinadas por meio de observações e análise da estrutura. Por fim, as passivas (também chamadas de mortas) são causadas por solicitações que não apresentam variações sensíveis ao longo do tempo. E, por isso, podem ser consideradas estabilizadas.
Causas e riscos
Apesar de muitas vezes a configuração de uma fissura parecer semelhante à outra, suas causas podem ser bastante diferentes. "Uma fissura de deformação de estrutura, por exemplo, pode ser parecida com uma de recalque de fundação. Uma de dilatação térmica pode ser igual a uma de retração de secagem. Por isso, é preciso ter um treinamento e certa experiência para, com uma inspeção visual, chegar à causa", afirma Ercio Thomaz, pesquisador do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Segundo ele, na maior parte das vezes a fissura é inspecionada visualmente e, assim, o diagnóstico é muito dependente da experiência do profissional. Mas é possível, também, fazer análises com auxílio de instrumentação.

Os danos que uma fissura pode representar à edificação são bastante variáveis. "Depende muito do elemento. Por exemplo: uma microfissura em concreto protendido pode ser sintoma de uma sobrecarga considerável. Uma fissura capilar, de 0,1 mm, no meio de uma viga, de concreto armado, não quer dizer nada. Mas se for próximo de um apoio, pode indicar efeito de uma força cortante e já pode ser um sintoma de sobrecarga considerável", compara Thomaz. Geralmente, fissuras na alvenaria representam menos riscos do que em vigas e pilares. Mas é preciso ter cuidado, pois uma patologia na alvenaria pode ser consequência de um problema estrutural mais sério.


Fotos: Renato Sahade
Destacamento da argamassa de revestimento por movimentação térmica
Em uma edificação existem as fissuras admissíveis, que são aceitas ou previstas no projeto. O projeto estrutural precisa ser elaborado conforme a respectiva classe de agressividade ambiental - segundo a norma de Projetos de Estruturas de Concreto (NBR 6118:2003), pois o mesmo projeto não pode ser executado na zona urbana da cidade de São Paulo e na orla marítima de Santos, por exemplo. A desobediência a essas disposições estruturais pode implicar o surgimento de fissuras.
"Além dos 'wk', que constituem 'fissuras planejadas nos projetos das estruturas', o projeto deve prever juntas de dilatação estruturais para evitar o surgimento de fissuras de origem térmica em extensões superiores a 20 m, por exemplo", afirma Paulo Grandiski. As juntas de dilatação, observa Grandiski, não devem ser vedadas pelo acabamento. Se isso não for obedecido, surgirão fissuras nesse acabamento devido à dilatação térmica da estrutura.




Na execução de uma obra, algumas imprudências comuns podem gerar fissuras. A NBR 7200:1998 é a norma geral de execução de revestimentos de paredes e tetos de argamassas inorgânicas, e indica os intervalos mínimos de execução entre cada etapa do trabalho. A norma diz que, entre a execução da estrutura de concreto e a alvenaria, é preciso esperar pelo menos 28 dias. "Atualmente esses prazos costumam ser desobedecidos, daí resultando em trincas e fissuras. Por exemplo: se o reboco for aplicado antes do prazo mínimo, enquanto o emboço ainda está retraindo, podem surgir no reboco fissuras mapeadas", alerta Grandiski.

Outro problema recorrente citado pelo engenheiro do Ibape é a sobrecarga na edificação. Durante a execução da obra são colocadas pilhas de sacos de cimento, tijolos ou acúmulo de areia ou entulho sobre as lajes, atingindo cargas superiores a 900 kg/m3. "Isso é muito superior às cargas teóricas estabelecidas na NBR 6120:1980. Por exemplo, para prédios de escritórios, as lajes devem ser projetadas para suportar cerca de 270 kg/m2, com piso e forro."



Bastante comum, também, é a fissura de origem higrotérmica. Elas são resultantes dos pontos de contato de materiais que apresentam simultanea­mente coeficientes de dilatação térmica diferentes, e diferentes dilatações provocadas pela maior ou menor absorção de água. É o caso das áreas de contato entre as estruturas de concreto armado e as alvenarias, quando passam por ciclos de recebimento de sol e chuva. Nos últimos andares dos edifícios esse fenômeno costuma ficar bastante visível quando a pintura do revestimento externo perde sua capacidade hidrofugante.
Técnicas de recuperação
O engenheiro Renato Sahade avaliou, em dissertação de mestrado apresentada ao IPT, os principais sistemas de recuperação de fissuras em alvenarias. Todos estão indicados de acordo com as características típicas das fissuras. Portanto, o primeiro passo para recuperar uma fissura é chegar à definição precisa da sua causa.

"Quando a fissura é de origem estrutural, sua recuperação é mais complicada. Uma fissura mais superficial, mapeada, tem recuperação mais simples. Independentemente disso, é preciso ter um treinamento da mão de obra", alerta Sahade. As fissuras, no geral, são recuperadas com a aplicação de produtos flexíveis, como selantes elásticos. "Alguns procedimentos demoram a ser feitos, porque é preciso abrir a fissura, fazer a limpeza, aplicar os produtos e esperar secar. Mas há outros mais simples, que em dois dias o trabalho já está concluído", afirma. Entre os produtos, há, inclusive, tintas especiais para fachadas, com maior capacidade de tolerar deformações sem fissurar.

Independente do sistema utilizado, a solução deve ser compatível com a construção, para alterar o mínimo possível as suas características. Também deve ter durabilidade e, ainda, ser passível de remoção sem que danifique os materiais originais da edificação. Confira a descrição do sistema que se baseia em membranas acrílicas e selagem. "Na prática, é um dos mais conhecidos e utilizados no mercado nacional. Mas é o menos aplicado de forma correta, em função da quantidade de atividades nem sempre respeitadas", afirma Sahade. Para a recuperação propriamente dita, foram empregados quatro materiais: o fundo preparador de paredes, o selante acrílico, o impermeabilizante de lajes e paredes e a tela de poliéster.
Recuperação passo a passo


Fotos: Renato Sahade/ATS
Abertura de sulco sobre a fissura


Fotos: Renato Sahade/ATS
Remoção do acabamento da parede


Fotos: Renato Sahade/ATS
Aplicação de selante acrílico


Fotos: Renato Sahade/ATS
Secagem da fissura selada


Fotos: Renato Sahade/ATS
Aplicação de impermeabilizante acrílico

Fotos: Renato Sahade/ATS
Segunda demão de impermeabilizante estruturado em tela de poliéster
Preparação da superfície
n A fissura foi aberta em um perfil em forma de "V", por meio de disco de corte, para apresentar aproximadamente 1,0 cm de profundidade e 1,0 cm de largura (foto 1)
n O acabamento da parede foi removido em uma faixa de cerca de 20 cm em torno da fissura, contados 10 cm para cada lado, até atingir o reboco, para remover todo o sistema de pintura existente (massa acrílica e tinta) (foto 2)
n Com um pincel 2", eliminou-se todo o pó da fissura aberta, bem como das faixas laterais
Fundo
n Se necessário (caso o substrato não estiver coeso), é aplicado um fundo preparador de paredes. O produto é aplicado com trincha na fissura e nas faixas laterais
Tratamento da fissura
n Preenche-se a fissura com duas demãos de selante acrílico por meio de aplicador. Utilizou-se uma espátula nessa aplicação, para que o material fosse bem compactado no interior da fissura (foto 3)
n Em seguida, foi necessário aguardar  48 horas, no mínimo, para secagem  entre demãos
n Aguardou-se intervalo de 24 horas para secagem da última demão do selante acrílico (foto 4)
n Uma farta demão de impermeabilizante acrílico foi aplicada, diluído com 10% de água, sobre a fissura e as faixas laterais (foto 5)
n Foi preciso aguardar seis horas para  a secagem
n Uma segunda demão de impermeabilizante acrílico foi aplicada, da mesma forma que no item anterior, fixando-se, nessa etapa, uma tela de poliéster, de 20 cm de largura, sobre toda a faixa da fissura, tendo como orientação o eixo da trinca (foto 6)
n Para a secagem completa, foi necessário aguardar seis horas
Acabamento finaln Um novo nivelamento foi executado, sobre as partes anteriormente rebaixadas, com massa acrílica, aplicada em camadas finas e sucessivas, não ultrapassando espessura final superior  de 3 mm
n Foram aplicadas duas demãos de  tinta látex acrílica, com diluição de 30%  a 40% de água na primeira demão, e de 10% a 20% na segunda, usando-se um rolo de lã para aplicação. Foi necessário observar um intervalo de quatro horas entre as demãos









fonte : téchne edição 160

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