terça-feira, 23 de agosto de 2011

Detecção preventiva de patologias em edificações




Foto 1 - Fissuras no concreto paralelas à armadura
A manutenção predial compreende importantes processos que contribuem para a conservação e melhora de performance das construções. Além disso, empreendimentos de recuperação e reabilitação são custosos, o que aumenta a relevância da manutenção predial e da prevenção de patologias em edificações. Neste contexto, o estudo e a sistematização do conhecimento nessa área são necessários para que se desenvolvam novas tecnologias para a gestão da manutenção predial.
A aplicação de sistemas periódicos de inspeção das edificações é uma das soluções viáveis para que a detecção de patologias possa ocorrer antes mesmo que seus efeitos danosos possam ser sentidos. No entanto, o que se verifica é uma intensa despreocupação dos gestores de edificações com esse aspecto, quadro que apenas é invertido quando problemas patológicos começam a alterar a funcionalidade da construção.
Em geral, estruturas que parecem estar bem conservadas e funcionais podem apresentar sintomas sutis de defeitos que, caso não recebam tratamento adequado, podem gerar consequências graves. A observação desses sintomas, associada à coleta de dados sobre alterações na rotina da construção, deve constituir a primeira etapa de uma inspeção periódica.
Alguns defeitos da construção não estão diretamente relacionados com patologias que podem gerar inutilização da estrutura a curto prazo. Entretanto, a funcionalidade e a durabilidade não são os únicos parâmetros a serem considerados para a manutenção predial, sendo a habitabilidade e a conservação arquitetônica outros fatores relevantes.
Foto 2 - Exposição de armaduras corroídas
Após a avaliação global da construção, ponderados os fatores anteriormente citados, a obtenção de um resultado que diagnostique um desempenho pouco satisfatório não deve ser decisiva para a inutilização da estrutura. Ao contrário, deve servir como estímulo para o início de um estudo das patologias encontradas, como subsídio para intervenções visando a recuperação da edificação (Souza e Ripper, 1998).
Etapas da construção
Desde o início das civilizações, o planejamento e a construção de estruturas têm se baseado nas necessidades do ser humano, sejam elas de qualquer natureza. Essas necessidades humanas possibilitaram o acúmulo de uma grande quantidade de conhecimento técnico-científico a respeito da construção civil, associada às inovações e ao desenvolvimento de novas tecnologias.
No entanto, todo esse acervo científico não é suficiente para impedir que as estruturas apresentem problemas e danos causados por vários fatores, desde falha na elaboração do projeto até a falta de manutenção. Essas situações caracterizam a deterioração estrutural que, se não tratada corretamente, compromete a estrutura, levando-a à inutilização e até mesmo ao desabamento.
A área de pesquisa da patologia estrutural compreende a sistematização dos conhecimentos em problemas e defeitos estruturais, no sentido de prevenir e recuperar estruturas atingidas por deterioração. Essa nova área da engenharia se propõe a analisar não somente a caracterização dos defeitos, mas também suas causas e consequências, além dos processos mecânicos que os envolvem.
Um processo de construção abrange atividades que, embora apresentem diferentes níveis de dificuldade e ocorram em etapas distintas da construção, contribuem com igual fração para o bom desenvolvimento da obra e para a obtenção da construção desejada.
A tentativa de caracterizar e separar em estágios essas inúmeras atividades constitui uma tarefa bastante difícil. No entanto, em termos práticos, pode-se incluí-las em três grandes etapas que devem ser comuns a todos os processos construtivos. São elas: planejamento, execução e manutenção.
O planejamento compreende a elaboração do projeto arquitetônico, a formulação e análise do estudo de viabilidade e também a criação de um cronograma de obra e de um orçamento. É nesta fase que devem ocorrer as discussões entre o cliente, o projetista e o construtor no sentido de promover uma construção adequada às necessidades do cliente, porém, dentro das possibilidades técnicas de execução e manutenção.
A execução consiste da aplicação prática dos serviços propostos pela etapa de planejamento. Essa etapa constitui um momento em que vários fatores apresentam interferência direta na qualidade da construção, dentre eles, destacam-se o correto uso do material e a correta aplicação do projeto. A gestão de qualidade do serviço, embora deva estar presente ininterruptamente durante todas as fases da construção, torna-se uma importante aliada ao bom desempenho do serviço durante a execução.
A manutenção se segue como etapa a ser realizada após a inauguração e durante a efetiva utilização da estrutura. Pode-se definir a manutenção como um conjunto de técnicas, práticas e rotinas necessárias ao bom desempenho da estrutura (Souza e Ripper, 1998). De acordo com esse conceito, cabe destacar as duas formas em que esta etapa pode ser realizada: a manutenção preventiva e a manutenção corretiva.
Basicamente, a manutenção preventiva consiste na inspeção e revisão de itens previamente listados e na recuperação ou troca de partes defeituosas, além da aplicação de processos que permitam a conservação da estrutura em bom estado. A manutenção preventiva deve ser periódica e não deve deixar de ser realizada sob qualquer circunstância, pois garante a durabilidade e a possibilidade de uso da estrutura. A periodização da manutenção deverá ser calculada pelo construtor.
A manutenção corretiva geralmente tem caráter emergencial e é empregada para permitir a recuperação da estrutura gravemente avariada, quando normalmente já existe impossibilidade de uso. Quando há prevenção, essa forma de manutenção é evitada, pois a estrutura está sendo regularmente inspecionada e seus pequenos defeitos corrigidos, impedindo a gênese de uma grave patologia estrutural.
No entanto, é importante ressaltar que a existência de patologias estruturais agudas, as quais demandam manutenção emergencial, não é resultado único da falta de conservação estrutural. Outros fatores, tais como os ambientais, podem originar falhas na estrutura e estas levam à ocorrência de patologias.
Procedimentos de inspeção
A exposição das edificações aos variados mecanismos de deterioração exige que cuidados sejam adotados para preservar a funcionalidade da estrutura e o aumento de sua vida útil. Esses cuidados se refletem na existência de uma proposta de manutenção eficiente, que inclua os procedimentos necessários ao bom estado da construção.
No entanto, em muitos casos, o processo de manutenção é inadequado ou insuficiente para evitar a ocorrência de problemas patológicos nas construções. Uma recuperação emergencial se faz necessária para evitar a inutilização da estrutura.
Nesse contexto, evidencia-se a importância dos procedimentos de inspeção na manutenção do bom estado das edificações. As inspeções constituem parte fundamental de qualquer processo de reforma e manutenção, seja de caráter previsível ou emergencial. O conhecimento das formas, metodologias e técnicas de inspeção é um fator bastante relevante na análise dos problemas de ordem patológica.
De modo geral, as inspeções podem ser classificadas entre os seguintes tipos: cadastral, rotineira, extraordinária, especial e intermediária. No campo da manutenção predial, essas definições assumem uma maior importância, dado que o estado funcional da edificação será um critério para se definir o tipo de inspeção necessário.
A seguir, são listados alguns cuidados para a realização de um bom processo de inspeção periódica em edificações.
Observação do ambiente
O ambiente em torno da estrutura é decisivo na ocorrência de deficiências e problemas patológicos em uma construção. Essas manifestações patológicas - e suas respectivas velocidades de deterioração - são consequentes, em megaescala, da influência do meio na durabilidade dos materiais empregados.
A inserção de uma estrutura em um meio suficientemente agressivo levará à formação de patologias em uma velocidade mais elevada do que em um processo natural de deterioração. Como forma de evitar patologias nesses ambientes, tem-se a diminuição dos intervalos de inspeção e o aumento da perícia e precisão.
As construções brasileiras estão normalmente sujeitas a condições ambientais agressivas, devido às características climáticas verificadas no País. A elevada temperatura média anual e a média amplitude térmica diária, a alta salinidade do litoral, a incidência pluviométrica e a macrodinâmica de ventos são alguns dos fatores que contribuem para a deterioração das edificações no País.
Outro aspecto importante nos processos de deterioração da estrutura é a proximidade dela com o meio urbano ou rural. Essa proximidade afeta algumas condições ambientais, tais como poluição, incidência de radiação e umidade relativa, o que, por sua vez, interfere na velocidade de corrosão da estrutura, tanto em construções metálicas quanto em estruturas de concreto armado.
Todos esses fatores ambientais devem ser considerados durante o processo de inspeção das edificações. O conhecimento do ambiente em torno da construção facilita e otimiza o diagnóstico da estrutura, além de possibilitar a aplicação de técnicas mais precisas em sua recuperação. Deve-se considerar também as características ecológicas do ambiente em que a construção está inserida. Alguns meios, como praias, margens de rios e manguezais, são naturalmente agressivos em função dos mecanismos fisiológicos dos organismos que vivem ali. Por esse motivo, manifestações patológicas tendem a se intensificar nessas regiões, exigindo maior atenção durante a vistoria. Mesmo em procedimentos rotineiros de inspeção, a agressividade ambiental deve ser avaliada e comparada com medições anteriores, observando-se então se houve intensificação ou diminuição da agressividade.
Ausência de registro adequado
Muitos procedimentos de inspeção são realizados sem o devido registro das atividades e ensaios realizados, de modo que não se tem uma análise final conclusiva sobre o estado da edificação. Além disso, para inspeções futuras, não haverá referências e padrões para se inferir a evolução do estado de conservação da estrutura.
Nesse sentido, é de extrema importância que todos os procedimentos sejam devidamente descritos em relatórios, preferencialmente com conteúdo fotográfico e resultados parciais obtidos. Não se deve esquecer que a inspeção é uma coleta de dados que, posteriormente, servirá como base para qualquer medida a ser adotada.
Representatividade das áreas analisadas
Algumas edificações apresentam detalhes estruturais e arquitetônicos complexos, o que pode dificultar a observação dessas áreas. Em outras situações, a área a ser analisada apresenta dimensões bastante grandes, tornando a vistoria um processo oneroso e demorado. Nestes casos, os responsáveis pelo processo de vistoria podem adotar soluções alternativas, como a adoção de áreas de amostragem para detectar os principais problemas generalizados da construção.
Entretanto, deve-se ter bastante cautela ao aplicar essa técnica, considerando-se que uma quantidade significativa de informações relevantes pode ser perdida, caso as áreas amostradas não sejam representativas do total da edificação. Alguns sintomas podem ficar ocultos e revelarem graves patologias no futuro. Portanto, o processo de inspeção realizado terá sido ineficaz perante a estratégia de manutenção predial.
A importância da inspeção visual
A análise visual constitui uma etapa importante do processo global, pois permite a observação da sintomatologia apresentada. A partir dessa análise, pode-se recomendar a realização de testes, ensaios e verificações específicas em partes da estrutura.
A inspeção visual deve incluir o uso de pequenos equipamentos auxiliares da visão ou de localização, como binóculos, lupas e câmeras fotográficas com alta resolução. Esses instrumentos são imprescindíveis para a precisão no resultado final.
CASCUDO (1997) recomenda que a descrição da sintomatologia em estruturas de concreto seja baseada nas seguintes verificações:
Fissuras no concreto paralelas à armadura (Figura 1); Fragmentação e destacamento do concreto de cobrimento; Lascamento do concreto; Exposição de armaduras corroídas (Figura 2); Acúmulo de produtos de corrosão nas armaduras expostas, formando crostas; Visível perda de seção das armaduras; Comprometimento da aderência barra-concreto; Flambagem das armaduras longitudinais de pilares; Manchas de ferrugem na superfície do concreto, denotando a migração dos produtos de corrosão; Deformações estruturais próximas a áreas com manifestações de corrosão.
Além destas, devem ser sugeridas as seguintes verificações para edificações:
Deterioração de elementos de acabamento;
Evidências de infiltrações na alvenaria;
Presença de fungos na alvenaria, com ênfase nas fachadas;
Grau de alteração do padrão arquitetônico da construção.
A descrição desses fatores deve ser feita de maneira detalhada, citando-se todas as características observadas na estrutura e também condições excepcionais encontradas na construção.
Os ensaios e testes são etapas importantes da inspeção de edificações. No entanto, é a análise visual que permite ao avaliador ter uma noção da dimensão superficial das anomalias.
Conclusões
Um bom programa de manutenção predial para edificações deve incluir procedimentos periódicos de inspeção que levem em consideração o ambiente no qual a construção está inserida, as condições prévias da estrutura, a análise criteriosa dos métodos que serão utilizados para se diagnosticar os problemas da edificação e também a importância da análise visual para a identificação da extensão dos danos.
A gestão da manutenção predial é uma forma racional e pouco custosa para a detecção preventiva de patologias e para a correta intervenção em construções que apresentem danos. O estudo de caso corrobora a ideia de que a maior parte das anomalias verificadas nas edificações é o resultado da negligência de seus gestores em adotar programas eficientes de manutenção predial.
Espera-se que os conceitos aqui explicitados sirvam de base para a elaboração de programas mais eficientes de manutenção predial e que estes sejam cada vez mais adotados, de forma a se evitar que edificações sejam inutilizadas ou necessitem de grandes projetos de recuperação, em função da não identificação preventiva dos defeitos da construção.

Líbia da Costa Lourenço, Mestre em Engenharia Civil e Pesquisadora da Universidade Federal Fluminense, Email: libia@vm.uff.br
Luiz Carlos Mendes, Doutor em Engenharia Civil e Professor Associado da Universidade Federal Fluminense, Email: lcarlos@predialnet.com.br

Leia Mais
O controle da corrosão de armaduras em concreto - inspeção e técnicas eletroquímicas. O. Cascudo. Editora UFG, Goiânia, 1997.Patologia, recuperação e reforço de estruturas de concreto. V.C.M. Souza; T. Ripper. São Paulo, PINI, 1998.


fonte: revista técnhe edição 167

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