terça-feira, 16 de agosto de 2011

A influência da temperatura na desforma do concreto




Todo concreto é composto de cimento, agregados (miúdo e graúdo), água, bem como aditivos, e seu endurecimento, entre outros fatores, é determinado pelas reações exotérmicas do cimento. Durante o inverno ou em dias com baixas temperaturas, as peças concretadas sofrem mudanças em seu desempenho habitual de desforma, afetando diretamente a produção industrial.
É nesse período que as cimenteiras e concreteiras recebem inúmeras solicitações de informações sobre o que realmente acontece com as peças concretadas, nas primeiras idades. Muitas vezes, essas peças não endurecem e não ganham resistência. Afinal, quais fatores geram esse problema? O cimento está com problema? Houve mudança em sua composição química ou física? Os agregados ou a água estão contaminados? A produção mudou a dosagem? Os aditivos estão retardando a pega? Ou realmente as baixas temperaturas são responsáveis pelo baixo desempenho?
O objetivo deste artigo técnico é mostrar aos profissionais que trabalham com concreto qual a influência da temperatura no momento da desforma. Pretende também ajudar a avaliar o impacto de temperaturas abaixo de 15ºC nas características de início e fim de pega e na evolução das resistências à compressão. Por isso, é importante esclarecer essas dúvidas, como forma de evitar eventuais problemas que possam ocorrer durante a concretagem ou, posteriormente, com o desempenho das peças.
Fábricas de artefatos e peças pré-fabricadas que utilizam cimento em seu fluxo de trabalho precisam de uma desforma rápida. Por isso, para que haja ganho de produção, muitas vezes utilizam o CPV ARI (Alta Resistência Inicial). Essas empresas vêm enfrentando um problema muito sério durante um período sazonal e crítico do ano, quando há a diminuição abrupta da temperatura em determinadas regiões.
A velocidade de hidratação de qualquer tipo de cimento é influenciada, principalmente, pela temperatura e pela finura do cimento. Durante o inverno, é relativamente frequente o retardamento de pega do concreto, com consequentes quedas das resistências nas idades iniciais, muitas vezes impossibilitando a desforma de peças estruturais. Portanto, a falta de cuidados preventivos pode causar danos ao ciclo operacional das indústrias. E a má hidratação provocada pela ineficiência do processo de cura pode trazer problemas irreversíveis. Assim, mantêm-se a integridade das peças e a eficiência do processo produtivo nos períodos e regiões com temperaturas abaixo de 15ºC.


O processo de hidratação do cimento Portland

O cimento Portland, em geral, é um produto que possui como componentes básicos o calcário, a argila e o minério de ferro, que após serem calcinados e moídos assumem a forma de pó com alta capacidade de aglomeração. Quando o pó é misturado com a água, ocorre a hidratação desses materiais, resultando no endurecimento da mistura. A intensidade do calor liberado na hidratação durante as primeiras idades influencia a velocidade do endurecimento do concreto e o aumento da resistência.
A hidratação dos silicatos e aluminatos formam o C-S-H (silicato de cálcio hidratado). O início de aglomeração é caracterizado pelo processo de hidratação do cimento, no qual há a formação de agulhas de etringita, que são responsáveis pelo início de pega e desenvolvimento da resistência inicial (figura 1).
A reação de hidratação é um processo exotérmico, ou seja, durante a reação do cimento com a água há liberação de calor.
Acervo dos autores
Figura 2 - Concreto dosado há mais de 72 horas, a baixas temperaturas, com aparência de concreto fresco
A quantidade de calor liberado é chamada de calor de hidratação e é bastante importante para a evolução das resistências. Por isso, quando trabalhamos em um ambiente com baixas temperaturas, inferiores a 15oC, ou com água de dosagem do concreto com temperaturas abaixo de 20oC, geramos o chamado "baixo nível de calor de hidratação", que causa o retardamento das resistências iniciais.
Se essas temperaturas chegarem a níveis inferiores a 10oC, além do retardamento, pode ocorrer a paralisação do início de pega do cimento, ou seja, o concreto não reage e fica no estado fresco (figura 2).
Figura 3 - Aspecto geral do concreto preparado com cimento CP V ARI e relação água-cimento = 0,45, curado a 5°C, aos três dias
Figura 4 - Aspecto geral do concreto preparado com cimento CP V ARI e relação água-cimento = 0,45, curado a 35°C, aos três dias

Estudo da influência da temperatura na resistência à compressão e no tempo de pega do cimento

Apresenta os resultados de estudos realizados para verificação da influência da temperatura e da relação água-cimento na evolução da resistência à compressão em diferentes idades de cura e nos tempos de início e final de pega do cimento.
Para a realização do estudo foram elaborados três traços de concreto com valores de relação água-cimento de 0,45; 0,60 e 0,75. Na dosagem dos concretos foi utilizada uma amostra de cimento Portland de alta resistência inicial CP V-ARI da Cauê (tabela 1). Corpos de prova de cada um dos traços foram mantidos, desde a moldagem, às temperaturas de 5ºC; 15ºC; 25ºC e 35ºC.
Os concretos foram preparados em laboratório com betoneira estacionária de eixo vertical e mistura forçada. Os traços foram elaborados seguindo a melhor forma de empacotamento. Foi determinada uma família de concreto com teor de argamassa fixado em 49% e a consistência, medida pelo abatimento do tronco de cone, mantida constante em 80±10 mm. Com esses parâmetros foi elaborada uma curva de Abrams com relações água-cimento iguais a 0,45; 0,60 e 0,75. Os traços foram preparados com areia média, brita 1 e cimento CP V-ARI Cauê Apiaí.

Na tabela 2 são apresentados os valores correspondentes a cada um dos traços elaborados.
Para cada traço foram moldados corpos de prova cilíndricos 10 cm x 20 cm, colocados em quatro diferentes condições de temperatura (5ºC, 15ºC, 25ºC e 35ºC), sendo desformados no dia seguinte e mantidos em cura submersa nas temperaturas indicadas até a data de ruptura. Para cada temperatura foram moldados três corpos de prova nas seguintes idades de ensaio - um dia, três dias, sete dias, 14 dias e 28 dias.
Além da resistência à compressão, também foi verificada a influência da temperatura e da relação água-cimento no tempo de pega do concreto.
Os resultados das análises são apresentados na tabela 3 e na tabela 4, e ilustrados no gráfico 1.




Diante dos resultados apresentados, verificou-se que os tempos de início e final de pega aumentam consideravelmente com a diminuição da temperatura e o aumento da relação água-cimento. Da mesma forma, a resistência à compressão dos concretos diminui com o aumento da relação água-cimento e com a diminuição da temperatura nas primeiras idades.
Observa-se que a diferença da resistência à compressão na temperatura mais baixa (5ºC) nas idades de um, três e sete dias em relação às demais temperaturas é bastante significativa. Portanto, há influência da temperatura na evolução da resistência à compressão do concreto.
Na tabela 5 são apresentados os dados de resistência à compressão à idade de um dia, para cada relação água-cimento em função da temperatura água-cimento. A partir dos valores de resistência obtidos, tomou-se resistência na temperatura de 25°C. O desempenho (aumento ou decréscimo) de resistência em relação à resistência de referência é apresentado no gráfico 2.
No gráfico 3 observa-se a influência da temperatura na variação de resistência do concreto (ganho ou perda), tomando nas temperaturas de verão (t=35oC) e de inverno (t=5oC e t=15oC), confrontadas com a temperatura de referência (t=25oC). Logo, um concreto com relação água-cimento 0,75 para uma temperatura de 15oC apresenta uma queda de resistência de 73% na comparação com a temperatura ambiente (25oC). Já para a temperatura de 35oC temos um aumento de resistência de 69%.
O concreto mantido em um processo de cura a 5oC apresenta uma microestrutura porosa e com poucas agulhas de etringita. Já o concreto curado a 35oC apresenta uma microestrutura densa e com várias agulhas de etringita formadas e interligadas, o que reflete em um concreto com resistência superior aos três dias.
Portanto, a formação da microestrutura do concreto é afetada pela temperatura durante a sua cura.

Ações preventivas para minimizar o efeito das baixas temperaturas no concreto
Fica claro, com os dados apresentados neste artigo, que as empresas necessariamente precisam tomar cuidados preventivos quando trabalharem com concreto no período do inverno ou em dias muito frios, em que as temperaturas estão abaixo de 15oC. Por isso, sugerimos algumas ações para atenuar esse impacto do inverno:

n Nas temperaturas mais baixas, as superfícies das fôrmas e do concreto devem ser cobertas logo após o lançamento, a fim de manter o calor no concreto. Podem-se utilizar os seguintes recursos: lonas enceradas, feltro para cura de concreto de baixa densidade, lençóis plásticos (pretos) e papel impermeável.

n Improvisar estufas com lonas plásticas durante a cura inicial do concreto, mantendo a cobertura distante +/-10 cm da superfície das peças.

n Prolongar o tempo de espera antes da desforma, umedecendo e mantendo-as pelo maior tempo possível.

n Não utilizar água de dosagem com temperaturas inferiores a 20oC. Se necessário, aquecer a água de amassamento na temperatura entre 25oC e 70oC (nunca aquecê-la acima de 80oC, por motivo de segurança dos funcionários). Um aquecedor por imersão (resistências) pode funcionar nesses casos. Outra alternativa: instalar um chuveiro elétrico nas saí­das das caixas d'água que alimentam os misturadores.

n Realizar as concretagens, se possível, sempre no período da manhã, aproveitando ao máximo a temperatura mais elevada ao longo do dia. É importante ressaltar que a tendência natural são as temperaturas mais baixas no final da tarde e no período da noite.

n Em caso de desforma muito rápida, utilizar cura a vapor de caldeiras, diminuindo o tempo de início de pega do cimento. Esse processo acelera o calor de hidratação e mantém a peça hidratada por aspersão de água.

n Utilizar aquecedores no local onde as peças estarão em cura inicial.

n Estocar os materiais em ambiente com temperatura uniforme controlada de 23+/-2°C por um período mínimo de 24 horas antes da mistura do concreto. Um método adequado é cobrir o agregado com lona e, se possível, injetar ar quente em seguida.
Para desformas rápidas é possível utilizar aditivos aceleradores de pega. No entanto, alguns cuidados devem ser tomados:

n Aditivos à base de cloretos não devem ser utilizados em hipótese alguma em peças que possuem armaduras. Nesse caso, recomenda-se a utilização de aceleradores sem cloretos.

n Os aditivos à base de policarboxilatos também são indicados em temperaturas baixas, pois não interferem na velocidade da reação.
Se os cuidados acima forem adotados durante a dosagem, é possível minimizar os efeitos das baixas temperaturas no concreto, mantendo as suas características e melhorando o seu desempenho.
Todas as sugestões oferecidas devem ser supervisionadas pelo responsável técnico da obra antes da aplicação. Ele avaliará o que for mais indicado em relação aos materiais, à mão de obra e aos processos para o seu segmento.
Fotos: acervo dos autores
Figura 5 - Cura com lona em peças pré-fabricadas
Fotos: acervo dos autores
Figura 6 - Cura com lona em blocos e pavers

Considerações finais

Quando se realizam concretagens em tempo frio, é muito difícil determinar quanto tempo o concreto levará para iniciar o estágio de endurecimento, pois a temperatura é um dos principais fatores que interferem na resistência.
Desse modo, conclui-se que no caso de concretagens realizadas em temperaturas baixas, a evolução da resistência à compressão é prejudicada pelo menos até a idade de sete dias, desde que não haja risco de congelamento. Isso acontece principalmente nas relações água-cimento mais altas (considerando-se o tipo de cimento estudado), sendo que a resistência evolui após essa idade, atingindo valores próximos ou até um pouco superiores aos dos concretos curados a temperaturas mais elevadas.
Nos períodos de inverno ou de baixas temperaturas, as empresas podem e devem adotar ações preventivas para manter elevado o calor de hidratação do cimento, sem, contudo, causar perda de água de hidratação.

Luis Antonio Laguna, engenheiro civil, coordenador de Consultoria Técnica da Camargo Corrêa Cimentos, luis.laguna@camargocorrea.com.br
Paula Ikematsu, Tecnóloga em Construção Civil, consultora especialista da Camargo Corrêa Cimentos, paula.ikematsu@camargocorrea.com.br


LEIA MAISTrabalhando com Concreto em Tempo Frio. Senai, Brasília.Concreto: Estrutura, Propriedade e Materiais. P. K. Mehta e P. J. Monteiro. Editora PINI, 1994.Influência da Temperatura de Cura nas Características Reológicas, Físico-mecânicas e Microestruturais do Concreto. ABCP. Cláudio Oliveira Silva e Sílvia Regina S. S. Vieira.


fonte: revista téchne Edição 150 - Setembro de 2009


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