sábado, 11 de abril de 2009

Dublagens

A dublagem é um elemento essencial para o sucesso ou fracasso de uma série no Brasil, sendo objeto ao mesmo tempo de amor e ódio pelos telespectadores. Mas algo é indubitável: o fascínio que exerce sobre todos. Quem de nós nunca ficou curioso em saber quem está por trás da voz do personagem que tanto gostamos de assistir?
Jornadas nas Estrelas (Star Trek) chegou ao Brasil em 1967 para ser exibida na programação noturna da extinta TV Excelsior. Foi dublada pelo estúdio A.I.C. (Arte Industrial Cinematográfica), atual B.K.S., em São Paulo, responsável pela dublagem de grandes seriados dos anos 60 como: Viagem ao Fundo do Mar, Perdidos no Espaço, entre outros. A A.I.C. marcou a "era de ouro" da dublagem nacional, período assim conhecido em virtude da alta qualidade dos profissionais envolvidos, tamanha era a qualidade das vozes e da interpretação, onde vários personagens tinham mais de uma voz. Alguns até três, o que nunca foi motivo de descontentamento entre os fãs.
Assim aconteceu, também com Jornada nas Estrelas. O Capitão Kirk teve três vozes: Emerson Camargo, Dênis Carvalho e Astrogildo Filho. Camargo, é o dono do estúdio Mastersound (que dublou a série O Quinteto). Deu ao personagem uma voz suave e tranqüila. O ator/diretor (da Rede Globo) Dênis Carvalho, que não dubla mais, foi quem mais se aproximou do tom seco e autoritário original que Shatner possuía quando jovem (foi a primeira voz brasileira de Roger "Race" Bannon de Jonny Quest). Astrogildo Filho (dublou a primeira voz do prof. Robinson de Perdidos no Espaço), já falecido, possuía uma voz mais empostada, ficando famoso por não conseguir pronunciar corretamente a palavra klingon (saia klincon, klincun, tudo menos o correto), foi quem mais dublou o personagem.
O Sr. Spock teve duas vozes: a primeira foi a do falecido Rebello Neto (a segunda voz do Prof. Robinson de Perdidos no Espaço) que dotou o personagem de um a frieza e interpretação excepcional, ficando duas temporadas. Na terceira temporada foi substituído por Turíbio Ruiz, que aliás está bem vivo e pôde ser visto trabalhando na novela Marisol, do SBT. Turíbio ficou muito conhecido, por interpretar "Seo Alfredo'', nos antigos comerciais do papel higiênico Neve.
O Dr. McCoy, chamado carinhosamente pelo Capitão Kirk de "Magro" (Bones no original), foi dublado inicialmente por Neville George que com seu tom suave, conseguiu reproduzir no médico da nave um forte sotaque de interior (no original o sotaque era da Georgia). Destaca-se que o dublador era representante comercial, sendo descoberto nos estúdios de dublagem e passando a falar por vários personagens famosos (como Doug Phillips de O Túnel do Tempo). Faleceu em 2003, sendo que atuava como locutor oficial da Rede TV!.
A voz da Tenente Uhura pertencia à Helena Samara (a voz da inesquecível atriz Agnes Moorehead, a Endora de A Feiticeira). Esta veterana dubladora acentuou ainda mais a interpretação original da atriz ao "emprestar" sua bela voz para "abrir e fechar freqüências". Continua em plena atividade nos estúdios paulistas.
Carlos Campanelli (a voz de Tony Newman de O Túnel do Tempo) foi a voz do Sr. Scotty, o qual em início de carreira e em sua melhor fase (e/ou com boa direção), procurou ressaltar o humor e a eficiência do personagem, pecando, infelizmente, em não conseguir reproduzir o seu característico sotaque escocês. Curiosamente era bancário antes de tornar-se dublador, é atualmente a voz do Super-Homem (novo desenho exibido pelo Canal da Warner).
Eleu Salvador (foto) dublou o Sr. Sulu (a voz do Dr. Brown de "De Volta para o Futuro" nos filmes e no desenho), conseguindo reproduzir o tom grave original do ator e aumentando seu humor em certas situações. Continua em atividade nos estúdios paulistas como: B.K.S. e Álamo.
O Alferes Checov foi dublado por Olney Cazarré (foi a voz de James Stephens/Dick York de A Feiticeira). O falecido ator pôde ser lembrado pelo grande público, como o aluno paulistão (e torcedor do Corinthians) da Escolinha do Prof. Raimundo. Sua bela voz realçou a juventude e vitalidade do personagem, não conseguindo reproduzir o marcante sotaque russo que possuía no original o personagem.
O texto de abertura era lido pelo locutor Antonio Celso, uma voz neutra, diferente do original que era lido pelo ator William Shatner.
A dublagem da A.I.C. foi marcante e repleta de vozes inesquecíveis, fazendo ajustes de tradução ao longo da série como fator de torção substituído para fator de dobra, "defasadores" para "feisers", "triregistro" para "tricorder" e abrilhantou a série com grandes vozes que até hoje permanecem na memória auditiva dos fãs. Ocorre que em 1982, por ocasião da exibição do segundo filme para o cinema no Brasil, misteriosamente, esta cópia foi recolhida e devolvida a matriz nos E.U.A., o que sepultou as vozes, somente tendo acesso a este trabalho os fãs que gravaram os episódios em vídeo quando foi exibida pela ultima vez na Rede Bandeirantes.
Nos filmes de cinema Star Trek foi dublada pelo estúdio carioca Herbert Richers, o qual desconhecia por completo toda a terminologia técnica da série que foi transposta para o cinema. O primeiro filme foi um exemplo de como é importante uma assessoria técnica, pois certamente marcou os fãs brasileiros por sua péssima tradução, erros grosseiros e adaptações infelizes de termos em inglês, tais como: "faseadores" (phasers), "cristais delirium" (cristais de dilítio), O Enterprise (é uma nave estelar!), Bones (em português adotou-se a palavra magro). Os demais filmes (dublados na Herbert Richers) não fugiram a esta regra, destacando como grande equívoco a tradução para o português de todos os diálogos em klingon do terceiro filme.
O quarto filme representa um ponto de transição entre a falta de assessoria e a utilização do JETCOM (grupo de fãs cariocas da série) para esse fim. Apesar da péssima tradução e péssimas interpretações dos dubladores erroneamente escalados, realizados pelo estúdio carioca V.T.I. (o mesmo da série Arquivo X), resultou em uma série de reclamações dos fãs e que após isso, convidou o JETCOM para que fosse realizada uma assessoria técnica e evitar uma repetição de falhas cometidas no estúdio anterior.
O quinto filme apesar da fraca trama, já é sentida a assessoria do JETCOM com uma ótima tradução e um visível empenho das mesmas vozes escaladas no filme anterior (impostas pelo cliente, leia-se Rede Globo), principalmente a voz do Cap. Kirk.
Nos filmes do cinema Kirk, Spock, McCoy e Scotty tiveram as mesmas vozes até o terceiro filme. Kirk foi dublado pelo saudoso Marcos Miranda (que dublou Shatner na série Carro-Comando), o qual reproduzia com precisão a voz emotiva do agora envelhecido ator. A partir do quarto filme, Kirk teve como voz o experiente Waldyr Sant´anna (o Homer Simpson), procurando da mesma forma, captar a emocional voz do ator, sendo visível seu empenho no quinto filme.
Spock voltou a ser dublado por Garcia Netto até o terceiro filme (Netto também dublou Spock na versão animada da série). Nos filmes seguintes foi substituído por Luis Motta (a voz de Kojak), não obtendo o mesmo sucesso de seu antecessor em captar a interpretação do ator. O Dr. McCoy teve a voz de Darci Pedrosa, a segunda voz do Sr. Rorke e no 3º, a voz de Ioney Ronaldo (Hideki Goh/O Regresso de Ultraman), Ricardo Montalban (A Ilha da Fantasia) e o Mestre dos Magos (Caverna do Dragão). Sua inconfundível voz aumentou a implicância e rabugice com relação a Spock. Foi substituído por Lauro Fabiano (a voz do personagem Rick Hunter na série Tiro Certo) no segundo filme que apesar de sua excelente voz não reproduziu sua implicância característica. O Sr. Scotty em todos os filmes foi dublado pelo sempre excelente Orlando Drummond (foto) (o "Seu Perú" da Escolinha do Prof. Raimundo), aumentando a informalidade e o humor do personagem, apesar da perda do sotaque. Os demais personagens não tiveram vozes fixas.
A redublagem da série clássica de Jornada nas Estrelas pelo estúdio V.T.I., conforme já mencionado, demonstrou uma preocupação em tentar evitar os erros cometidos nas dublagens anteriores e uma consciência dos dubladores na importância da série para o público. Por esse aspecto, podemos afirmar que a redublagem foi superior à primeira versão com interpretações e textos melhores mesmo com equívocos como a dubladora da atriz Joan Collins (em "A Cidade à Beira da Eternidade"). Avaliando esse trabalho, muitos erros foram revistos, tais como: o texto de abertura lido pelo Capitão. Kirk; as vozes femininas dos talasianos (em "A Coleção"); troca de expressões típicas dos anos 60 e a recuperação dos sotaques de Scotty e Checov.
O trio central formado pelos excelentes Garcia Júnior (a voz do McGyger e do He-Man), Márcio Seixas (foto) (a voz do Batman do novo desenho exibido pela Record) e Newton Valério (a voz do Zorro/Guy Williams), respectivamente, Kirk, Spock e McCoy. O trio possuía uma esplêndida interação entre si, representada nas "brigas" de Spock e McCoy e a impecável interpretação de Garcia. O restante dos tripulantes foi muito bem defendido com um divertido Checov, graças ao talento de Marco Ribeiro (a voz do "Maskara"/desenho e filme), a bela voz de Lina Hossana (a Dra. Lewis de Plantão Médico) pela Tenente. Uhura e Cleonir Santos (a eterna voz do Speed Racer, antiga versão) como Sulu, o qual reproduziu o timbre grave de George Takei. A enfermeira Chapel foi dublada por Ilka Pinheiro (a voz da Mulher-Maravilha do desenho dos Superamigos e diretora de dublagem da série) emprestando sua cortante voz à personagem. Outro a ser ressaltado é o experiente Waldyr Sant´anna, que deu um sotaque diferenciado ao Sr. Scotty, graças à assessoria prestada pelo JETCOM.
A Nova Geração (The Next Generation), à semelhança da Clássica, possuía um trio central competente nas vozes de Leonardo José (a voz de Lex Luthor na primeira temporada da série Lois & Clark), Hélio Ribeiro (a voz do The Flash) em substituição a José Luis (a voz do ator Yannic Bisson na segunda temporada da série Maré Alta/High Tide) como Data e Alfredo Martins (a segunda voz de Lex Luthor em Lois & Clark).
Ficam evidentes algumas escalações equivocadas e suas felizes substituições como as vozes de Data, Deanna Troi, no último caso Cláudia Costak por Theresa Anquetim. Merecem destaque Marco Ribeiro dando uma agilidade à Geordi LaForge, Selma Lopes (a voz de Marge Simpson) com uma interpretação muito boa como a Dra. Crusher, Oberdan Júnior (a voz do Tintin do desenho As Aventuras de Tintin) que acentuou a juventude de Wesley Crusher e Marly Ribeiro (a voz da atriz Linda Koslowski no filme Crocodilo Dundee) com um tom nasal muito similar ao de Tasha Yar.
Outro ponto positivo foi a estréia em dublagens de Guilherme Briggs (a voz do Freakazoid) que conseguiu com perfeição captar a essência do Sr. Worf, ainda que meio hesitante, mas já demonstrando sinais do talento que possui, com direção de Waldyr Sant´anna para a dublagem da série que se limitou apenas à primeira temporada.
Fica constatado da necessidade de existir um assessoramento técnico dos fãs junto à dublagem, que apesar de não poder indicar as vozes ideais, mas funciona como um orientador para a atuação do dublador, buscando que o mesmo venha a dar uma entonação próxima do personagem no original, bem como explicando certos detalhes que somente o conhecedor da série seria capaz de entender.
A Nova Missão (Deep Space Nine) é um exemplo de como o trinômio texto-boas escalações-boa direção são essenciais para um boa dublagem. Novamente dublada pela V.T.I. com assessoria do JETCOM e uma direção cuidadosa de Francisco José (a primeira voz de Dean Stockwell na série Contratempos), as boas escalações valorizaram o original americano, um exemplo é a performance de Guilherme Briggs e Orlando Drummond, ou seja, Quark e Odo, ambos deram uma "aula" de desempenho e desenvoltura juntos nas eternas e divertidas "brigas" entre os personagens. Outro destaque foi Paulo Flores (a voz do Sr. Richfield da Família Dinossauro) reproduzindo muito bem o jeito descontraído e as "duras" do comandante Ben Sisko nos tripulantes. A curiosidade fica no fato de Flores já ter dublado o ator Avery Brooks na série "Um Homem Chamado Falcão" (exibida pela Rede Globo). Não esquecendo o talento de Sylvia Sallusti (a voz da Buffy-A Caça-Vampiros) como Jadzia Dax, as sempre boas interpretações de Selma Lopes como Major Kira, Nizzo Netto (foi o Seu Ptolomeu da Escolinha do Prof. Raimundo) como Dr. Bashir com sua sempre jovial e descontraída voz. Leonel Abrantes (a voz do locutor do desenho do Freakazoid) que com sua voz nasal, lembra muito o sotaque irlandês do ator Colm Meaney (Chefe O'Brien) e finalmente Luís Sérgio como Jake Sisko em uma boa interpretação, com destaque no episódio piloto.
Algumas participações extras muito significativas como: André Filho (Cap. Picard), Waldyr Sant´anna (Gul Dukat), Mário Tupinambá, Jorge Eduardo (Q/Kiu), Carmen Sheila, Ricardo Schnetzer, que contribuíram com esta que é considerada uma das melhores dublagens para uma série de Star Trek.
A V.T.I. por uma série de motivos não pôde escalar as vozes utilizadas na primeira temporada, ocasionando um novo "cast" de vozes para versionar em português os famosos personagens. Os únicos que reprisaram seus papéis foram: Marco Ribeiro (Geordi LaForge/ Checov), Marly Ribeiro (Tasha Yar) e Leonel Abrantes (Chefe O`Brien).
A Nova Geração, apesar da mudança nas vozes, vem mantendo o espírito do original, salvo algumas vozes e interpretações que precisam ser melhor trabalhadas, mas espera-se que com o tempo, os dubladores já estejam mais acostumados com o ritmo da série e venham a acentuar seu trabalho junto a interpretação dos personagens. Alguns casos, como observamos em episódios posteriores, o ator (atriz) possuí um domínio completo sobre seu personagem, permitindo que o texto, complexo diga-se de passagem, flua mais natural e chegando mesmo a criar alguns improvisos e visíveis adaptações sobre o texto original.
Destaca-se o versátil Márcio Simões (a voz do Hércules do SBT) como Cap. Picard que apesar da ausência de uma voz grave, compensa com uma impecável interpretação. Outro destaque é o elenco feminino, onde observamos (ou escutamos) as vozes da sempre competente Juraciara Diácovo (a voz da Scully de Arquivo X) na voz da Dra. Crusher, Neli Amaral (a voz da atriz Linda Hunt em Silverado) emprestando sua voz profunda a Guinan, Cristina Louise como Deanna Troi em ótima estréia e Geysa Porto (a voz da atriz Sharon Lawrence de Nova York contra o Crime) reproduzindo a implicante Dra. Pulasky, a médica da segunda temporada da série.
Uma voz que merece destaque por sua evolução ao longo dos episódios foi José Augusto (a 2ª voz do policial Medavoil de Nova York contra o Crime) como Imediato Riker, é vísivel uma sensível melhora em sua interpretação, onde um começo hesitante evoluiu para um domínio maior do personagem, constatada nas cenas em que o Imediato se torna exigente em relação aos demais tripulantes. Eduardo "Duda" Ribeiro (a voz de Kuwabara do desenho Yu Yu Hakusho) como Data, é outro talento a ressaltar, apesar da pouca experiência, vem demonstrando um grande domínio do personagem e correspondendo a importância que o mesmo possui na série. Paulo Vignollo (a voz do novo Jimmy Olsen de Lois & Clark) consegue com talento reproduzir a jovialidade do personagem.
Cabe aqui discutir a escalação de José Santa-Cruz (a voz do Dino da Família Dinossauro), o qual apesar de ser um ator-dublador experiente (já dubla desde os anos 70), não conseguiu "vestir" adequadamente o personagem. Falta reproduzir a arrogância e a introspecção de Worf, sem mencionar a incomoda pronuncia das palavras klingons, por isso é objeto de críticas de todos os fãs da série.
O texto bem traduzido novamente por Cristina Nastasi e o JETCOM, emprega em português vários termos técnicos já utilizados anteriormente, tais como: Tenente-Comandante, dobra espacial, fenda espacial (buraco de verme/wormhole). Mostrando com isso uma preocupação com a familiaridade dos mesmos junto aos fãs brasileiros, entre tanto, percebe-se uma desatenção da diretora da dublagem (Célia que é a diretora da Clássica também) em várias palavras como: cristais de delirium, klinton, o que esperamos sejam esses erros revistos nos próximos episódios.
Personagem
Dublador/Nova Geração
Cap. Kirk
Marco Antonio (a voz de George Clooney de Plantão Médico)
Spock
Lauro Fabiano (o Rick Hunter de Tiro Certo)
Dr. McCoy
Leonel Abrantes
Uhura
Mariangela Cantú (a Dra. Kate Austin de Chicago Hope)
Scotty
Carlos Seidl ( o Seu Madruga de Chaves do S.B.T.)
Sulu
Sérgio Sterling
Checov
Marco Ribeiro
Chapel
Célia
Conclui-se com isso a importância da dublagem na "versão brasileira" de uma série da importância que é Jornada nas Estrelas, onde todos os cuidados devem ser tomados quer com o elenco, quer com a tradução, sendo inegável que quando um deles falha pode condenar o produto final ao um retumbante fracasso, mas quando ambos brilham (como quase sempre acontece) mantém-se preservado os aspectos principais do original, podendo mesmo superá-lo, pois a dublagem não é um a simples tradução, é uma "versão" para o português de um trabalho estrangeiro, devendo adaptar-se ao povo e a sua maneira de falar, por isso mesmo sempre buscará ter uma "alma" brasileira, mesmo que seja na fronteira final.

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